sexta-feira, 12 de junho de 2015

Golpes de Génio – Jaws


Realização: Steven Spielberg
Argumento: Peter Benchley, Carl Gottlieb
Elenco: Roy Scheider, Richard Dreyfuss, Robert Shaw, Lorraine Gary

Passam exactamente quarenta anos sobre um dos filmes da minha adolescência e, mais do que isso, sobre uma das películas que mais marcas e lembranças me deixou. Ainda hoje, um adulto feito, meto o pé no Tejo e, sabendo de antemão que aquilo é um rio, por vezes não consigo evitar algum temor. É mesmo assim, tem tanto de tolo como de verdadeiro. Pelo misto de fascínio e terror pelo animal, confesso, que me leva a devorar toda a informação que consigo, entre textos e documentários, mas também por algumas imagens eternamente alojadas na mente: imagens de Jaws, de Steven Spielberg.

Página marcante e com uma incontornável importância contextual no cinema norte-americano contemporâneo, Jaws rompe com o formato de produção, promoção e distribuição vigente e assume-se como o protótipo de blockbuster de Verão, assente numa premissa de argumentos simples (recorrentemente planos até) e muita acção, tensão e adrenalina. O cinema de autor é posto de lado, os estúdios aumentam cada vez mais o seu poder através do método da grande produção para as massas e sucesso comercial imediato e o cinema de entretenimento explode enquanto força vigente.
E muito disto despoletado por Spielberg, um jovem e talentoso realizador de 29 anos ainda na sua segunda longa-metragem, que como que cria um novo género (o tal summer blockbuster) que viria no futuro a trabalhar como poucos e a reinventar estrondosamente em cada uma das décadas seguintes – Indiana Jones and the Raiders of the Lost Ark (1981) e E.T. the Extra-Terrestrial (1982); Jurassic Park (1993); A.I. Artificial Intelligence (2001) e Minority Report (2002).

O grande tubarão branco, predador alfa dos oceanos e pouco conhecido até então do grande público, foi a partir desse momento visto, duma forma obviamente errónea, como uma ameaça natural, uma espécie de máquina de matar e comer pessoas; ora, a desinformação, a ignorância e a fúria acéfala levaram a que durante décadas se procedesse a uma infame caça ao animal e a população decrescesse substancialmente em todo o globo, sendo hoje em dia uma espécie vulnerável. Essa sede de caçada, de sangue, de mortandade, tão própria nos humanos aliás, é a consequência obscura da obra. Uma consequência muito negativa e significante, entenda-se, mas que ainda assim deve ser analisada em paralelo e não pode apagar o que a obra de Peter Benchley e sobretudo a película de Spielberg significaram para o trajecto do cinema de entretenimento.

O medo e o desconhecimento da criatura que ainda assim não conseguem submeter o dever cívico e profissional de Brody, o chefe da polícia; Hooper, o biólogo marinho que pretende conhecer melhor e porventura decifrar os comportamentos do animal; e Quint, o caçador furtivo, o especialista que tem um passado que se cruza de forma sangrenta com tubarões – excelente referência ao naufrágio do navio de guerra norte-americano USS Indianapolis (CA-35) em Julho de 1945, no término da Segunda Grande Guerra, em que centenas de marinheiros perderam a vida devido a desidratação, afogamento e ataques de tubarões.
Este trio, em que sobressai um delicioso Robert Shaw como o torturado Quint, acaba por ser a única força de combate que a pequena vila de Amity tem para apresentar contra aquela aparentemente indomável e vil força animal. O seu engenho e resiliência, sempre de mãos dadas com o pânico e o terror, acabam por ser a força motriz do filme, ao som da banda-sonora minimalista de John Williams, peça sublime e tão hitchcockiana que simultaneamente nos transporta através do carácter primitivo e inexorável da gesta e cria uma sensação de imprevisibilidade e descontrolo emocional sufocantes.

Jaws, o primeiro blockbuster moderno, uma das películas que mudou as regras do jogo e ajudou a criar uma nova indústria cinematográfica em Hollywood, no fundo é uma história como tantas outras: Natureza contra o homem, predador enfrenta predador. Mas quando quem enfrentamos é uma criatura tão real, tão magnética, tão ferozmente perfeita por assim dizer, arriscamo-nos a que se torne pedra basilar do nosso imaginário mais sombrio.

Golpes Altos: Acima de tudo algo que não é imediato mas que é adquirido com o tempo: a importância histórica e cultural do filme. A banda-sonora, intemporal.

Golpes Baixos: Como referi anteriormente, a premissa da obra, descrevendo um animal selvagem como uma máquina assassina, e todas as consequências que daí advieram – Benchley chegou a lamentar ter escrito Jaws. É claro que há variadíssimas falhas técnicas (começando pelo próprio tubarão, exageradamente grande e disforme), mas não podemos esquecer que corria o ano de 1975. Já muito fez Spielberg.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Phoenix


Realização: Christian Petzold
Argumento: Christian Petzold
Elenco: Nina Hoss, Ronald Zehrfeld, Nina Kunzendorf, Michael Maertens, Imogen Kogge

O que vem sendo curioso no cinema de Christian Petzold, e que tão bem já havia sido trabalhado na sua anterior obra, Barbara, é a forma peculiar de filmar a guerra sem filmá-la. Ou seja, a Segunda Grande Guerra e a(s) Alemanha(s) pós-conflito são tema central na filmografia de Petzold, mas o cineasta alemão opta regra geral por histórias de reconstrução, de renascimento, fugindo às ilustrações convencionais e criando filmes de personagens inseridos na fragmentação do pós-guerra.

E disso trata este Phoenix, film noir amargo e intenso: o recomeço. A ressurreição, por assim dizer. Duma mulher, Nelly (impressionante Nina Hoss), mas também duma nação, que tenta lentamente reerguer-se das cinzas, qual Fénix renascida – e a Alemanha como a conhecemos é feita disso mesmo, dessa força telúrica ímpar para (sempre) reerguer-se e (sempre) voltar a ser referência.

Há aqui Hitchcock – Vertigo vem-nos à memória – há aqui Fassbinder, mas há acima de tudo um exercício formal e narrativo cáustico, impiedoso até, sobre amor, traição, culpa e, se possível, redenção. Redenção essa que tantas vezes se revela impossível de atingir, ora pelo medo, ora pelas marcas indeléveis do terror – o impactante suicídio de Lene ou o transe entre o macabro e o surreal em que o grupo de amigos de Nelly e Johnny está mergulhado.

Com uma banda sonora manipuladora, uma fotografia tão realista como absorvente, diálogos concisos mas precisos e uma brilhante cena final, de suster a respiração, Petzold cimenta ainda mais o seu nome dentro do cinema europeu contemporâneo, sobretudo com estas duas últimas películas sobre as cicatrizes da guerra.

Cicatrizes, marcas eternas que Nelly carrega no rosto e nos braços, prova de que é uma personagem quase antitética: a tatuagem do campo de concentração, símbolo da opressão imposta à sociedade judaica em que tinha origem; e o rosto transfigurado, símbolo duma Alemanha que amou e que, tal como ela, tem de renascer. Deixem-me repetir: Nina Hoss é fantástica.

Golpes Altos: A frieza cirúrgica, quase maquinal, na forma como Petzold desenvolve a trama. Banda-sonora, fotografia e Nina Hoss. O Speak Low final, arrebatador. O título, dos melhores e mais apropriados que tenho visto.

Golpes Baixos: Ficou a apetecer-nos (estava com um amigo que teve exactamente a mesma opinião) mais dois ou três minutos do momento final. Ou talvez não. Petzold saberá melhor do que ninguém.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Mad Max: Fury Road



Realizador: George Miller
Argumento: George Miller
Actores: Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult,

Um antigo Professor meu, o Pedro Marta Santos, classificou-o na Revista Sábado como "o Melhor Filme de Acção do Século XXI"... o buddy em conversa diz que é possivelmente o melhor Filme de Acção de Sempre, num dos seus habituais devaneios exagerados :)

Mas a verdade é que até certo ponto, nenhum me choca de forma descabida... embora também não concorde a 100% com nenhum... Mas é um Filme tão poderoso, tão diferente de tudo, tão inovador, que merece este tipo de avaliação, mesmo que não seja transversal ou partilhada por todos, merece o destaque e o reconhecimento quase exagerado! Tal como o Filme, é um tremendo exagero!

Mais que um Filme é uma experiência única, ninguém sairá indiferente da sala... a sala respira o Filme de uma forma quase orgânica, é inacreditável. No final da 1ª sequência que são logo uns 20 ou 25min de tremenda velocidade furiosa, absurdo e violência gráfica, a sala respirou... pela primeira vez! E sentiu-se! Há um momento de silêncio e sente-se mesmo as pessoas a descomprimirem da loucura vertiginosa que foi aquele momento... e depois, o Filme é TODO assim... é impressionante. Tem as quebras que tem para respirar e depois prego a fundo e lá vamos nós outra vez... como que uma montanha russa que só tem aquelas descidas que nos deixa com o coração na boca e consegue-o com subidas muito curtas.

O Filme cheira a pó, a gasolina, a pólvora, a sangue, a ferrugem, a pó outra vez, a óleo, a suor, a rock & roll... tudo... o Filme é um tesão constante de coreografias impressionantes, estética avassaladora e vertigem após vertigem, um pós-Apocalipse no meio de um tornado! Uma loucura animalesca...

O que sobressai é claramente a estética do Filme, os cenários poderosos, as tempestades, os figurinos das personagens mais out of the box  possíveis, os carros completamente loucos e brutos, os vilões que podiam ser tirados de uma excelente BD, os "bons" que não são completamente bons, os "maus" que também conseguem ser bons, epa tudo...

Falar deste Filme é quase como tentar descrever um salto de pára-quedas... e quem já saltou sabe que é mesmo muito difícil :)

Impossível perder a experiência, e nem tentem ver em casa, quem não vir isto no Cinema é um criminoso. Parece que estamos no meio de uma guerra que começou num Burning Man...

O detalhe delicioso do vilão ser o mesmo actor do Filme de 79... e claro, do Realizador ser também o do Filme de 79... que mente brilhante e totalmente segmentada para isto, basta olhar para o resto que fez sem tanto sucesso... devia ter ficado a vida toda a trabalhar nisto, e se calhar ficou!

Se é um dos Filmes da minha vida? Acho que não... mas foi certamente uma das experiências mais alucinantes que tive uma Sala em toda a minha vida...


Golpes Altos: As vertigens constantes, a ansiedade animalesca que nos consome e nos prende à cadeira como nunca tive.

Golpes Baixos: O guião deve caber num guardanapo de papel, mas hey... o do "À Bout de Souffle" também e mudou a História do Cinema...


PS: como diria o JP: A Charlize Theron até toda suja, maneta e careca é Linda...