domingo, 27 de outubro de 2013

Frances Ha


Realizador:  Noah Baumbach
Argumento:  Noah BaumbachGreta Gerwig
Actores: Greta Gerwig, Mickey Sumner, 

Referências e mais referências.
Gosto de filmes que me levem a outros e a mais outros mas que mantenham personalidade. Filmes que não escondem as suas referências mas mostram que têm algo a acrescentar.
Neste filme vi imenso o À Bout de Souffle, pedra basilar da Nouvelle Vague nos seus impulsos bem como, obviamente, o velhinho Woody Allen e as suas conversetas por Nova Iorque. 

Duas referências ambiciosas que se cruzam com grande eficácia neste filme muito bem trabalhado. Aqui temos uma história romântica de mulheres libertinas cheias de sonhos e ambições, rodeadas por pessoas muito diferentes e estados de espírito instintivos. 

O filme transmite uma proximidade grande com a personagem principal. Essa proximidade é mais eficaz também porque a mesma escreveu o Guião com o Realizador, sabemos que é uma fórmula com algum sucesso desde que o talento exista, e existe. Esta actriz meio "destrambulhada" é uma agradável surpresa e cria uma empatia imediata, quase paternal, com quem a está a ver... Queremos que a vida lhe corra bem porque ela mostra ser transparente de uma forma muito inocente. 

Uma história de procura, de ambição e de desejos por vezes simples mas que fazem toda a diferença na nossa vida. Uma miúda simples que se procura na grande cidade, uma miúda que não tem medo de batalhar à sua maneira, com deambulações sentimentais quase constantes e uma forma de estar no mínimo peculiar. 

Esta sonhadora consegue-nos conquistar e aconselho-vos a seguirem-na neste filme muito bem conseguido que nos deixa com a sensação que ainda é possível reinventar estas histórias simples.


Golpes Altos: Referências muito assumidas e bem trabalhadas, banda sonora, charme em muitos momentos, trabalho dos actores. 

Golpes Baixos: Resolução final demasiado instantânea.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Monsieur Lazhar



Realizador: Philippe Falardeau
Argumento: Philippe Falardeau (guião), Evelyne de la Chenelière (play)
Actores: Mohamed FellagSophie NélisseÉmilien Néron

É na escola que construímos o nosso início, é por lá que apanhamos os primeiros traumas, sustos, amores, desamores, paixões, relações, tudo... Quando somos putos somos uma esponja e absorvemos mais do que devíamos, mas é bom porque tudo serve de experiência.

Isto funciona assim menos quando essa experiência é de facto desnecessária... Numa Escola Canadiana uma professora suicida-se em plena sala de aula e 2 dos seus alunos vêm a mesma pendurada pelo pescoço. Imagem que os vai perseguir num curto espaço de tempo de forma muito intensa e que vai criar muitas dificuldades no que toca a relação com Professores, Pais, colegas, tudo...

Com a saída da Professora entra em cena um Argelino que ficou sensibilizado pela perda e quer ajudar. Torna-se então o Professor substituto da turma e cria ligações fortes principalmente com os miúdos mais afectados pelo trauma. Este Professor identifica-se com a história e é uma grande ajuda para esses mesmos miúdos.

Um filme que aborda vários temas de forma muito cautelosa, desde o "drama" dos Professores que não podem tocar nas crianças, aos problemas com os Pais, as divergências entre Professores, as divergências entre alunos, a ligação ao trauma, a força dos boatos num meio como uma Escola, etc.
Penso que tudo isto são temas extremamente actuais e que deviam ser vistos e revistos por quem realmente pode fazer alguma coisa nesse sentido, é que hoje em dia a protecção excessiva das crianças acaba por criar fendas gigantes de personalidade e até de afecto.

Fellag faz um papelão e os 2 miúdos principais são incríveis... O puto (Émilien que faz de Simon) tem uma cena na sala de aula que poucos graúdos conseguiriam fazer com tamanho estrondo. É impressionante.

Frase da noite de um Professor no filme: "Hoje em dia trabalhar com crianças é como trabalhar com Resíduos Radioactivos" -> e penso que todos estamos de acordo que não pode ser assim... Esta "doença" dos Carlos Cruz da vida que de repente se criou, algo que resulta numa gigante bolha Actimel para os putos é simplesmente risível e também ela desnecessária.

Um filme a não perder. Para todos os Pais, futuros Pais e Professores! (claro que bem mais que isto mas estes vão senti-lo de outra forma...)


Golpes Altos: a história é a protagonista do filme, os 3 papéis principais, o "alerta" que se cria para esta nova geração de pequenos imperadores.

Golpes Baixos: um filme com um potencial de ser ainda melhor e que pecou por escasso a ambição do mesmo. Penso que podiam dar-lhe uma dimensão ainda maior para ser verdadeiramente marcante.

domingo, 13 de outubro de 2013

Gravity



Realizador: Alfonso Cuarón
Argumento: Alfonso CuarónJonás Cuarón
Actores: Sandra BullockGeorge Clooney

Nota Prévia: Os 2 escribas deste blogue estão com menos tempo que o normal, um deles emigrado e outro com menos mãos que trabalho tem complicado a cadência de posts a que especialmente o buddy vos habituou. O grito de exigência de uma das nossas mais fiéis leitoras fez-me acordar e trazer um novo filme! Mais virão! 

O Cuarón 7 anos depois da obra prima Children of Men traz-nos um daqueles filmes ao qual podemos dar aqueles adjectivos que as revistas adoram, "electrizante", "sufocante", "desesperante", bla bla bla... É de facto isso tudo e também irrepreensível a nível técnico, outra coisa não seria de esperar do Mexicano.

Neste filme nós respiramos o sufoco, nós estamos lá... a proximidade que cria em todas as situações adversas que vemos retratadas neste filme é incrível. Tudo gira à volta de desespero, de estar no limite, de estar perto do fim, do básico instinto de sobrevivência... Não me lembro de um filme em que me tenha sentido tantas vezes esmagado pelo que o personagem principal está a sentir, é mesmo um exercício de resistência a uma tensão constante e, repito, sufocante...

Digo a brincar que este filme é uma mistura de 127 Horas com Cast Away mas passado no espaço, no entanto dá 10-0 a qualquer um dos filmes mencionados... As referências estão mais no conteúdo do que na forma e se há coisa em que este filme se destaca é precisamente na forma.

Mudava 3 coisas a este filme: A banda sonora muito americana épica manhosa, a Sandra Bullock porque a odeio e o final... Não vou lançar spoilers porque o filme é recente mas mudava-o...
Estranhei alguma excessiva "americanização" (no mau sentido...porque adoro cinema Americano) do Cuarón neste filme, penso que estes 3 pontos que eu mudava são o pico desse pecado, podia ser um filme ainda mais marcante se fosse menos "preocupado".

A não perder. Não vão ver um marco da história do Cinema, mas vão ver um grande filme muito bem produzido e realizado e tudo e tudo...


Golpes Altos: A cena HISTÓRICA, repito, HISTÓRICA dela sozinha na chuva de satélites; a TENSÃO constante (acho que me doía o corpo no final...); o sufoco da proximidade criada; a intensidade dos vários momentos; toda a técnica do Cuarón.

Golpes Baixos: Banda Sonora; o final e a Sandra Bullock (acho que até a Jodie Foster fazia melhor...)

domingo, 29 de setembro de 2013

Stuck in Love



Realizador: Josh Boone
Argumento: Josh Boone
Actores: Lily CollinsLogan LermanJennifer Connelly, Nat Wolff, Liana Liberato

Um Filme que aglomera várias fases da nossa vida enquanto amantes. Desde a inocência do 1º amor, à devastação do 1º desgosto, passando pelo 1º namoro em que realmente nos entregamos, às segundas oportunidades em amores antigos que sentiram necessidade de algo mais mas que afinal a casa da partida era mesmo a certeira. 

Tudo isto retratado usando como base uma só família, um seio de gerações pronto para nos dar a conhecer todas as fases daquilo que os românticos gostam de dizer que nos faz mover. 

Nesta família de artistas, maioritariamente escritores, a ficção mistura-se com a realidade e uma não vive sem a outra. Sem as experiências da vida real não se constrói nada coeso na ficção. Isto é obviamente um cliché e este filme não nos traz nenhuma novidade, no entanto os clichés quando são bem usados são muito valiosos e uma história bem contada não tem de nos surpreender, tem de nos cativar. Não acredito que alguém tenha visto este filme e não se tenha sentido minimamente cativado logo nos primeiros planos... 

É aqui que a frescura deste jovem realizador vinga, é tudo muito cativante sem ser minimamente presunçoso. É super simples mas penso que consegue cativar-nos com lugares comuns que nos fazem sentir confortáveis, algo que nos é familiar mesmo que não tenhamos vivido as situações retratadas.

Todos os actores principais (família e "casos" da mesma) estão muito bem e a facilidade com que entramos na história é muito por culpa deles. Visto que o Realizador quis proteger a história da sua técnica, expôs muito os personagens que lidaram com essa responsabilidade da melhor maneira possível.

São várias histórias muito bonitas que trabalham num espectro enorme de temáticas relacionadas com relações, impossível não nos identificarmos aqui e ali. 

Um filme simples muito bom de se ver, daqueles que nos deixam um pouco mais calmos no final de um dia de stress e de vida real... 


Golpes Altos: História, Actores, Dinâmica da família, O que deixa em quem o vê.

Golpes Baixos: Final muito "arranjadinho", Previsibilidade de algumas situações que precisavam estar um pouco menos expostas. 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

The Kings of Summer



Realizador: Jordan Vogt-Roberts
Argumento: Chris Galletta
Actores: Nick Robinson, Gabriel Basso, Moises Arias, Nick Offerman, Erin Moriarty, Megan Mullally

O excesso de contacto com uma realidade imposta e jamais questionada leva-nos a fantasias semelhantes à que este filme retrata. Este tipo de fantasia, desejo, o que quiserem chamar, surge em qualquer idade. Normalmente retratada na adolescência ou pós-adolescência a verdade é que muitas vezes faz-nos muita falta o contacto com o que de mais natural nos rodeia.

Pisar terra em vez de alcatrão, colher flores selvagens em vez de controlar o seu crescimento em canteiros de pedra, saltar de árvores em vez de escorregas, mergulhar no rio em vez de ir à praia, viver rodeado de animais que não nos obedecem em vez de domesticar um, correr em vez de andar, saltar sem pensar o que pensam de nós, perceber que respirar é bom, ter uma casa de madeira na floresta em vez de um apartamento na cidade...

Este filme leva-nos de forma muito descontraída e inocente a uma experiência deste género e deixa-nos água na boca para tudo o que já pensámos fazer ou sonhámos tentar. A verdade é que as pessoas continuam a ser pessoas seja em que cenário for, essa é que é a única realidade natural com que nos deparamos diariamente, a única que seja em que cenário for se manterá intacta... Em qualquer cenário eu vou-me chatear com os meus amigos, apaixonar-me pela miúda errada, não querer aturar um Pai ou uma Mãe nesta ou naquela situação, tudo... A única natureza que ainda não conseguimos destruir.

Este filme conta uma história de forma extremamente simples, muito ligada a pequenas emoções e detalhes. A história flui naturalmente e torna-se mesmo confortável acompanhá-la.

Um filme surpreendente por essa simplicidade e ao mesmo tempo emotividade.

Será que um dia vamos pisar novamente terra todos os dias?


Golpes Altos: Nick Offerman é super cómico, os Pais do Patrick são hilariantes, os puto John (Nick Robinson) vai melhor que muitos graúdos, a história, as árvores, a terra, a banda sonora, a simplicidade e o Realizador que não exige protagonismo.

Golpes Baixos: Podia ter mais uns minutos (e isto até pode ser outro elogio), Nick Robinson podia estar acompanhado de putos mais talentosos.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Golpes Rápidos

Fui ao Japão e isso requer muitas horas de voo, com isto acabei por ver muitos filmes nesses mesmos voos. Vou tecer então alguns comentários rápidos a todos:

The Internship:
Diverte, é super previsível e tem alguns personagens divertidos. A química Vince Vaughn/Owen Wilson é sempre fácil de se conseguir e aqui volta a funcionar. Não acrescenta nada à história do cinema mas entretém pessoas como eu fechadas num avião sem nada mais para fazer.

Blancanieves:
Que adaptação tão bem conseguida... Tudo bate certo, tudo é bem feito, tudo é exagerado no bom sentido. Nunca quis tanto matar uma personagem como quis fazê-lo a esta madrasta... Os pormenores do filme fazem o filme e não há confusão nenhuma em qualquer fase da narrativa.

The Hangover Part III:
O 1º foi surpreendente... Nunca quis ser um enorme filme mas surpreendeu e roubou gargalhadas a meio mundo. Este 3º filme só não é o melhor de todos porque já vimos 2 (sendo que o 2º é o pior de todos). Nesta 3ª parte vemos um filme mais maduro, personagens com mais para contar e com problemas menos superficiais. Gostei muito mais deste filme do que esperava, não sei se isso é bom ou mau.

Borgman:
Que filme f*... Fortíssimo, tem um imaginário que parece misturar o Stalker do Tarkovski com a frieza nórdica a estalar por todos os lados. Dão-nos elementos durante o filme que temos de aceitar sem questionar e envolvem-nos num cenário estupidamente visceral e violento. Grande filme.

A Busca:
Desespero de um aparente mau Pai que procura redimir-se de tudo o que fez mal na vida no momento em que é chamado à realidade com o desaparecimento do filho. História muito bem contada e com uma dose muito real de emoções. Gostei do filme e o Wagner é mesmo bom.

Oblivion:
Muito muito fraco. Um filme de ficção científica tem de primar pela inovação e tem de surpreender por nos trazer algo de novo nem que seja no imaginário. Este filme não traz nada de novo, tudo o que se passa são lugares comuns já antes vistos e trabalhados de forma bem mais eficaz. Ia adormecendo.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Golpes de Génio - Hotaru No Haka (Grave of the Fireflies)


Realizador: Isao Takahata
Argumento: Akiyuki Nosaka (novel)Isao Takahata

Longe vai o tempo em que os filmes de animação não eram 90% para crianças e 10% para adultos... Todos sabemos que os Japoneses (especialmente eles) sempre nos trouxeram uma percentagem inversa à que se vive hoje em dia quando nos vemos perante filmes de animação, este filme não é excepção e muito outros seguem a mesma regra. 

Estamos perante uma história extremamente real que nos transporta para o final da 2ª Guerra Mundial num Japão destruído pelos bombardeamentos constantes dos aliados.
Neste Japão vive um rapaz (Seita) que tem uma ligação extremamente paternal com a sua irmã mais nova (Setsuko) devido à ausência do Pai que pertence à Marinha Japonesa. A Mãe está presente mas sofre do coração, algo que "obriga" Seita a impor-se como o protector oficial de Setsuko. 

Partindo desta premissa entramos num filme carregado de sentimento e de sensibilidade. O Autor do mesmo tinha 4 anos quando a Guerra começou e 10 anos quando a mesma acabou, assim sendo, o ponto de vista que ele usa para este filme é o de 2 personagens que rondam essas mesmas idades. E ele consegue transmitir essa experiência como acho que nunca tinha visto em nenhum dos 100000000 filmes sobre a 2ª Guerra Mundial.

Vemos uma ligação quase umbilical entre os personagens, algo que se retrata até na forma como andam juntos e ele a carrega às costas ou junto ao peito. 
Takahata desvenda o final do filme logo na primeira cena, é um momento de pura inspiração porque é o primeiro momento em que ele mostra que não está ali para surpreender (no sentido foleiro da palavra), para criar twists, para fazer pensar "será que ele morre?", "será que ela morre?", "será que o Pai volta?", bla bla bla... Não interessa... Ele "limita-se" a contar uma das histórias mais bonitas que o Cinema já viu e que mesmo sabendo o final, nada nos desprende do Filme nem por um segundo.

Foi dos filmes que mais me surpreenderam de sempre... Um dos filmes que fez melhor o trabalho de campanha anti-guerra, seja ele intencional ou não.

Uma história de Amor, das mais bonitas e devastadoras contadas até hoje.


Golpes Altos: A facilidade com que a história se desenrola, não importar como acaba, ser maravilhoso tanto esteticamente como em pequenos pormenores "infantis" do enredo, a banda sonora e o seu incrível timing, tudo... mesmo tudo.

Golpes Baixos: Haver quem nunca tenha visto este filme... 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

RPG

Realização: David Rebordão e Tino Navarro
Argumento: Tino Navarro
Elenco: Rutger Hauer e os 10 piores actores do mundo

Tino Navarro virou Takeshi Kitano da Reboleira


Tino Navarro não gosta do cinema português. Esta é a única explicação para a qualidade do seu último filme. RPG é passado num futuro próximo, em que um grupo de idosos milionários volta à juventude para lutar num jogo pseudo-violento do qual apenas um sairá vencedor. O problema de RPG, é que se fica com a sensação que ninguém ganhou nada – nem o espectador, nem a equipa de produção, nem os actores, nem o país.

Tino Navarro, cuja carreira de produtor começou há mais de 20 anos, terá concluído que o cinema não lhe trouxe nada de bom, e decidido vingar-se da indústria e de Portugal. Juntou esforços com o inexperiente David Rebordão e, juntos, assassinaram o cinema nacional. Foi uma morte triste, porque veio numa altura em que nomes como Miguel Gomes e João Salaviza começam a florescer e a mostrar o que de bom se faz em Portugal. E, como se isto não fosse grave o suficiente, Tino Navarro decidiu ainda arrastar pela lama o actor icónico Rutger Hauer e convencer 10 modelos/apresentadores de que até têm talento para o cinema. Não têm. Tal como não teve Tino Navaro, David Rebordão ou qualquer outro criativo na rodagem deste projecto. A pergunta surge incessantemente ao longo da história: “O que farias para ficar jovem?”. Uma coisa é certa, não voltava a ver este filme.


Artigo publicado em Jornal i

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Elysium

Realização: Neill Blomkamp
Argumento: Neill Blomkamp
Elenco: Matt Damon, Jodie Foster, Sharlto Copley, Wagner Moura, Alice Braga e Diego Luna


Lembro-me daquele horrível cliché saído do Gladiator - 'What we do in live, echoes in eternity'. A frase, antes de ter sido tomada refém por Ridley Scott no seu épico de Sábado à tarde, pertenceu a Marcus Aurelios (o verdadeiro, não Richard Harris) e aplica-se perfeitamente à carreira do mais recente talento sul-africano Neill Blomkamp. Blomkamp começou a sua carreira como animador 3D em séries e curtas de ficção científica, e teve o seu début como realizador de grandes metragens em 2009 com o aclamado District 9. O filme foi um sucesso, e com razão. A abordagem era brilhante. Blomkamp e a mulher Terri Tatchell resolveram prever um segundo apartheid para a nação arco-íris - desta vez com extra-terrestres em vez de negros ainda que, curiosamente, os maus da fita continuassem a ser os boers (brancos sul-africanos). Para além do argumento, District 9 mostrou o vanguardismo de Blomkamp por detrás da câmera e o talento inquestionável do seu protagonista Sharlto Copley. Com Elysium, fico com a sensação que o bom argumento de District 9 foi mais responsabilidade de Tatchell que de Blomkamp.

Elysium é uma crítica social pouco subtil, com os ricos a terem acesso ao sistema de saúde e os pobres a definharem com doenças terminais. Ok, percebemos a ideia. É legítimo, ninguém gosta de ver ninguém a morrer à porta de um hospital. A única questão é que este tema já foi abordado demasiadas vezes para justificar mais um filme sobre ele. Se já estamos fartos de filmes a criticarem a privatização do sistema de saúde, não me façam falar de filmes de ficção científica. Em cima disto, acrescente-se um argumento fraquinho com diálogos francamente maus e incoerências que, caso o filme fosse melhor, até estaríamos dispostos a ignorar. Outro ponto contra o filme é a direção de actores. O casting é interessante, junta brasileiros talentosos (Wagner Moura), mexicanos menos talentosos (Diego Luna) e uma fufa em hora de despedida (Jodie Foster, finalmente vais-te embora do cinema!). Mas Blomkamp não parece conseguir puxar pelo melhor que há nestes artistas, e o resultado são personagens pouco credíveis com reações pouco espontâneas. Tudo isto, devo dizer, à excepção de Sharlto Copley, que é um dos melhores vilões que tenho visto ultimamente.

O que compensa todas estas falhas, é uma realização espetacular, efeitos magníficos, grandes cenas de acção e o sorriso de Alice Braga. Continuo a gostar de Blomkamp, continuo a achar que é um grande realizador com muito potencial, mas gostava que se rodeasse de uma melhor equipa que o ajudasse a escrever um guião decentemente e a guiar actores de forma a potencializar os seus atributos. E secalhar também já chega de críticas sociais no espaço, que tal uma abordagem mais filosófica? Fica a ideia.


Golpes Altos: Sharlto Copley é um achado. A Realização de Blomkamp, os efeitos e, repito, o sorriso de Alice Braga.

Golpes Baixos: Argumento medíocre e tema esgotado. Péssima direcção de actores.


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Golpes Indie - What Maisie Knew

Realização: Scott McGehee e David Siegel
Argumento: Nancy Doyne e Carroll Cartwright (baseado num romance de Henry James)
Elenco: Julianne Moore, Alexander Skarsgard, Steve Coogan, Joanna Vanderham e Onata Aprile


Ter filhos não é para todos. A algumas pessoas, nunca deveria ser permitido procriar. Não quer dizer que sejam más pessoas, com más intenções ou psicopatias latentes. São, normalmente, pessoas egoístas, imaturas, demasiado focadas em si mesmo e nos seus problemas para poderem abdicar da sua existência pela existência de uma criança. Filhos de lares despedaçados raramente dão adultos equilibrados, e esta é uma verdade que falta dizer em voz alta. Se a Igreja Católica nos serviu para alguma coisa - e, admito, não serviu para quase nada - foi para nos dizer que um casamento é eterno, principalmente se envolver uma criança. A "santidade do casamento" não é obra do espírito santo, não existe para glorificar a Igreja - serve para glorificar os seus filhos, que não têm culpa que o mundo seja um lugar frio e difícil.

What Maisie Knew é um livro do escritor realista Henry James. No livro, Maisie é uma criança dividida entre dois pais divorciados, egoístas e irresponsáveis. No livro, James crítica o divórcio, o casamento, as relações, tudo. No livro, Maisie não acaba bem.
No novo filme da dupla Scott McGehee e David Siegel, a história é outra. Os realizadores decidiram manter a perspectiva do filme pelos olhos e pelo entendimento da criança. Essa abordagem está bem feita, a realização é sólida e as coisas que ficam por entender têm uma explicação simples: só sabemos o que Maisie sabe, só sentimos o que Maisie sente.

Paralelamente à história da criança, o filme é uma bonita história de amor contada em plano secundário. Não estamos habituados a isto. Uma boa história de amor é primeira página. Sempre foi. Por isso é refrescante que esta nos seja mostrada pelos olhos da criança, que vê nos seus dois novos pais uma casa que que não conhecia. Quando somos pequenos, e nos vimos apanhados em fogo cruzado entre dois adultos egoístas e irresponsáveis, ficamos com memórias negras e confusas daquilo que foi a nossa infância. Se, como Maisie, tivemos a sorte de ser adotados por duas pessoas puras e boas de coração, as nossas memórias passam a casas de praia, passeios ao pôr do sol, viagens de barco, sorrisos e muito amor. O amor é a coisa mais importante para a memória de uma criança. Nesse ponto, o filme é firme: se não o têm, não tentem ser pais.

O filme conta com um grande leque de actores, um argumento fantástico e uma realização audaz. Todos os elementos parecem funcionar em uníssono e isso traz uma harmonia fresca a um filme que, de outra forma, poderia tornar-se demasiado chato e negro. É uma lufada de ar fresco, quando temas clássicos são abordados por mentes jovens e criativas.


Golpes Altos: Adaptação original e ousada de um romance clássico. Realização sólida e inovadora. Boas interpretações. Joanna Vanderham é uma delícia.

Golpes Baixos: Gostava de ter visto uma melhor banda sonora, e uma melhor publicitação.


sábado, 17 de agosto de 2013

A Gaiola Dourada


Realizador: Ruben Alves
Argumento: Ruben Alves, Hugo Gélin, Jean-André Yerles
Actores: Rita Blanco, Joaquim de Almeida, Roland Giraud, Chantal Lauby, Bárbara Cabrita, Lannick Gautry


Todos já vimos retratos dos nossos emigrantes feitos por outros, pelos que estão do lado de lá da barricada. O Ruben Alves é Luso-Descendente e fez um filme que serve como ele próprio diz para homenagear os Pais... Estamos no bom caminho portanto.

Quem não gostar deste filme tem um problema grave com actores Portugueses, mais que um problema, terá um preconceito que simplesmente não faz sentido.
Quem não gostar deste filme não o vai saber justificar de forma categórica.
Quem não se divertir a ver este filme, tem o humor de um camião TIR...
Quem achar que este filme reduz de alguma forma os Portugueses, não percebeu puto do que se passou nestes 100 minutos.

É um filme fácil de gostar, é um Almodovar com sangue Português que retrata TODOS os clichés do "Emigrante" e é algo assumido. Os retratos têm de recorrer aos clichés, os clichés existem precisamente para serem BEM usados. Estamos perante um caso desses, um filme onde os pormenores são uma perfeita delícia sejam eles em diálogos, em roupas, em adereços, em expressões... TUDO pensado e, acima de tudo, tudo muito sentido e retratado por alguém que viveu uma história semelhante.

História essa que retrata uma família de emigrantes sediados em França, país que viu nascer os seus filhos e que com maior ou menos dificuldade os recebeu bem e lhes ofereceu oportunidades. A dada altura a família recebe uma inesperada notícia: são herdeiros de uma fortuna significativa e... tudo muda a partir daí! Ciumeiras alheias, elogios e benefícios tardios de quem não os quer ver partir, dúvidas, dramas familiares... um autêntico caos à Portuguesa.

Claro que também não gosto que falem em Francês em casa.
Claro que também preferia que eles não tivessem enfiado ali a Maria Vieira.
Claro que me chateia que 70% dos risos na sala sejam quando eles dizem asneiras numa forma de humor muito fácil.
Claro que não é um filme de topo...

Mas ADOREI vê-lo e aconselho a todos os que gostarem de se divertir a ver um bom filme. Entretenimento puro, coisa que é raro vermos quando temos Portugueses associados, pelo menos no que toca a Cinema.


Golpes Altos: Os pormenores, a boa disposição, a Rita Blanco (digo e repito, é das melhores Actrizes que já vi... Está ao nível das melhores de Hollywood), o Joaquim de Almeida a fazer de Pedreiro, as miúdas giras que aparecem (e sim, também aparecem miúdos giros...), a Realização!

Golpes Baixos: Porquê o Francês em casa? Para pouparem nas dobragens? A Maria Vieira? A sério?


PS: Adoro ser Português.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

The Lone Ranger

Realização: Gore Verbinski
Argumento: Justin Haythe, Ted Elliott e Terry Rossio
Elenco: Armie Hammer, Johnny Depp, William Fichtner e Tom Wilkinson

Tempos houve em que os grandes ícones do Oeste americano simbolizavam alguma coisa. Tempos houve em que os heróis que pisavam a terra transmitiam valores, lutavam em nome do bem, cavalgavam qual justiceiros alados em busca de justiça! Pronto... excedi-me um pouco. Mas a verdade é que, nos dias que correm, valores como a justiça e a integridade são geralmente postos de lado, em prol de ganâncias, corrupções e outras maleitas monetárias.

Gore Verbinski é um realizador de massas, aparentemente sem grande talento nem grandes aspirações intelectuais. A sua grande obra até ao momento foi o aterrorizante The Ring, que trouxe um novo fôlego ao cinema de horror e deixou a sensação de que talvez Verbinski seja apenas mais um realizador incompreendido, perdido no grande oceano da indústria americana. Depois seguiram-se os blockbusters das aventuras de Jack Sparrow e cedo esquecemos o nome do realizador, associando-o à decadência artística de Johnny Depp e do cinema franchising. Com The Lone Ranger, Gore Verbinski não só limpou o seu cadastro, como fez as pazes com o cinema de aventura. O problema, digo eu, é que o filme corre o risco de ficar incompreendido.

O filme ressuscita a história do Mascarilha e do seu fiel amigo Tonto - ou será Tonto e o seu fiel amigo Mascarilha? Seja como for, a história remonta aos anos '50, entre populares livros de quadradinhos e menos populares tentativas no grande ecrã e conta como, em tempos difíceis, bons homens são obrigados a usar máscaras. É uma grande crítica social à destruição do velho Oeste pela construção de caminhos de ferro e pela incessante fome da industrialização. Associa-se a isto um conjunto de bons valores, materializados na loucura do índio Tonto que, pela mão de Verbinski, larga a pele do personagem subserviente de "fiel companheiro" e se torna uma personagem com vontade própria, com sede de vingança. Na versão de Verbinski, Tonto é mais inteligente e mais capaz que o Mascarilha. No início do filme, é Tonto quem está esquecido, deixado a apodrecer num museu para ser encontrado por uma criança vestida de cowboy. Gosto de acreditar que essa criança é Verbinski, são os seus três guionistas e somos todos nós. Os nossos heróis não nos deixaram, mas nós virámos-lhes as costas, deixando-os para serem tratados como peças de museu.

The Lone Ranger é uma oportunidade para nos lembrarmos de como era ter exemplos de justiça, de como se podem fazer bons filmes de aventura, repletos de referências que vão de John Ford a Buster Keaton, fazendo-nos rir e apertar as mãos de emoção com os benefícios das grandes produções e dos efeitos CGI. O novo Mascarilha não é um filme perfeito, não me deixem enganar-vos. É demasiado longo, tem partes um pouco chatas e Armie Hammer não foi a melhor escolha possível. No entanto, é um filme bem intencionado, cheio de bons valores, que nos faz pensar no rumo que as coisas levaram. A sociedade evoluiu no sentido errado, não há dúvida. Nas palavras do índio Tonto - 'Nature is out of balance, Kemosabe'.


Golpes Altos: Um filme feito com o coração, de um amante do cinema de aventura. Bem escrito e bem interpretado, é uma aposta segura para uma ida ao cinema.

Golpes Baixos: A duração, algumas cenas demasiado longas e um Armie Hammer fraquinho.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

The Bling Ring

Realização: Sofia Coppola
Argumento: Sofia Coppola
Elenco: Katie Chang, Israel Broussard, Emma Watson e Leslie Mann


A desilusão era garantida. Sofia Coppola habituou-nos a obras profundas e introspectivas sobre pessoas solitárias e interessantes. As suas “Virgens Suicidas” foram uma ode às dores de crescimento, o seu “O Amor É Um Lugar Estranho” trouxe uma inesperada doçura à paixão platónica. Com “Bling Ring – O Gangue de Hollywood”, Coppola virou definitivamente a página e, inevitavelmente, piorou o livro.

A história é verídica, e isto são as más notícias. Em 2009, um grupo de miúdos ricos e obcecados com celebridades invadiram as casas de alguns dos seus ídolos – entre os quais Paris Hilton e Lindsay Lohan – e furtaram objectos de luxo no valor de mais de 4 milhões de dólares. A história foi explorada pela revista “Vanity Fair” e deixou em Coppola a vontade de juntar a sua mestria técnica a uma crítica à cultura de massas. A crítica está bem feita, o filme vale pelo talento técnico de Coppola, pela banda sonora ousada e pela cinematografia do génio Harris Savides, que, infelizmente, faleceu poucos meses após a rodagem do filme.

O tema é válido: as nossas crianças são vítimas da espiritualidade new age, da cultura de massas e da excessiva complacência de pais pouco atentos. “Spring Breakers” tentou uma abordagem a este fenómeno e falhou. Coppola, ainda que subaproveitada, respeitou o compromisso assumido.


Artigo publicado em Jornal i - 08/08/2013

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Conversas de Café - "Para mim a melhor série de sempre é..."

Existem vantagens. Uma série acompanha-nos durante anos da nossa vida. Conhecemos os personagens a fundo, mergulhamos na sua rotina, nos seus problemas. Ligamo-nos a um personagem, deixamo-lo entrar na nossa vida e dificilmente o esqueceremos. Quando damos por nós, estamos a recordar momentos passados com "isso foi na altura em que saiu aquele episódio de Sopranos na neve" ou "voltámos a namorar mais ou menos na mesma altura em que se descobriu o que era a ilha".

Existem séries e séries. Tomo a liberdade de ignorar por completo aquelas de "um caso por episódio", e concentrar-me naquelas que glorificam o nome do cinema. Aqui vai uma lista (não liguem à ordem), mas tomem a liberdade de acrescentar.


1 - The Sopranos. Parece-me difícil tirá-la do pódio, mas há malucos para tudo.

2 - Deadwood. Ou, como ficou conhecida, The Sopranos of the Wild West. É uma série curta, mas boa. Podia ter durado mais tempo, merecia mais.

3 - Mad Men. A Grande Depressão nunca teve tanta classe. Diz-se que a magia se perdeu quando o passado de Don Draper deixou de ser um mistério.

4 - Friends. Discutivelmente a melhor sitcom de sempre. Raios te partam, Seinfeld.

5 - Seinfeld. A série mais lucrativa de sempre, e também a mais amada.

6 - The X Files. A grande série de ficção científica! Espera... e o Star Trek? E o Espaço 1999? Pronto, ok, este não.

7 - The Shield. Policias corruptos, mesmo muito corruptos. Limpou a má imagem das séries policiais para sempre. espera... e The Wire?

8 - The Wire. Discutivelmente a segunda melhor série de sempre?

9 - Boardwalk Empire. Martin Scorcese juntou-se à equipa por detrás dos Sopranos. Não tinha como correr mal.

10 - Breaking Bad. A coisa está pelo fim e, se não desiludir, caminha a passo largo para o pódio.

11 - Beverly Hills 90210. Calma... estou a brincar. Mas acho que o The OC tem lugar aqui.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

The Iceman

Realização: Ariel Vromen
Argumento: Morgan Land e Ariel Vromen
Elenco: Michael Shannon, Winona Ryder, Ray Liotta e Chris Evans


O que aconteceu aqui não foi bonito. Richard Kuklinski matou mais de 100 pessoas (ou 200, sendo que existe uma discrepância entre os valores das legendas americanas e portuguesas) a sangue-frio. Matou-as porque alguém lhe pagou para o fazer, mas também porque era um sádico traumatizado psicopata. Mas isto não choca assim tanto. O mundo está cheio de malucos. O que choca, é fazer-se um filme tão vazio, tão medíocre e tão inconsequente como este The Iceman.

Não sendo um filme horrível, The Iceman consegue agarrar numa história perfeitamente válida, e construir uma trama foleira que assenta sobre um único princípio sobre o qual todo o universo e todas as personagens do filme se regem: Richard Kuklinski era um assassino, mas também era um homem de família. Ok. Então mas não querem explorar melhor a complexa natureza do psicopata? Não querem mostrar pormenores dos negócios em que esteve envolvido? Não querem tornar uma biografia aborrecida num filme minimamente artístico? Não. Ariel Vromen não quis nada disso.

O que Ariel Vromen - realizador imberbe de origens judaicas e talento reduzido - quis fazer com este filme, foi tentar misturar o seu entendimento de um filme Scorceseano com uma biografia do canal história. O resultado foi uma produção medíocre que, com a ajuda de um elenco semi-válido, conseguiu projecção suficiente para pagar os custos de produção. É uma pena. Um realizador mais ousado e mais talentoso teria transformado esta história em algo mais. Teria explorado planos de autor, cenas fantásticas em que conseguiríamos espreitar para dentro da alma do assassino. Em vez disso, temos meia dúzia de mortes descontextualizadas - uma delas a do personagem de James Franco que, honestamente, a única coisa que faz bem é cair para o lado morto -, uma visita ao irmão na prisão, uma recordação de umas chicotadas do pai e um ataque de fúria junta da mulher e das filhas.

Pelo meio, temos uma personagem interessante - Mr. Freezy, interpretado por Chris Evans. De facto, Mr. Freezy é tão mais interessante que The Iceman, que me fez pensar porque raio é que não escolheram um em vez do outro. Gostaria de ter visto mais do personagem de Evans, tal como gostaria de ter visto Ray Liotta a fazer qualquer outro personagem que não um mafioso desautorizado pelo seu chefe - Ray, já chega. Enfim, The Iceman é um filme datado por um realizador sem visão e sem identidade. Um conselho para Ariel Vromen: vai fazer documentários!


Golpes Altos: Interpretação de Michael Shannon, Chris Evans, Winona Ryder e as duas miúdas. Cena da discoteca é uma pérola face ao ambiente semi-gélido do filme.

Golpes Baixos: Um filme sem talento, escrito por um guionista sem talento que, veja-se bem, também é um realizador sem talento. Mediocridade na sua forma mais pura. David Schwimer a tentar ser um mafioso é como ver o Ross dos Friends a tentar não ser o Ross dos Friends.

sábado, 3 de agosto de 2013

Golpes Indie - Drinking Buddies

Realização: Joe Swanberg
Argumento: Joe Swanberg
Elenco: Olivia Wilde, Jake Johnson, Anna Kendrick e Ron Livingston


Há certos filmes com os quais nos identificamos. Quer nos identifiquemos com um personagem, com uma situação, com uma profissão ou com uma frase - gostamos imediatamente dele. Neste novo género de comédia de relações indie, não é raro isto acontecer. Mas algumas, deixam-nos no fim uma sensação de não querer sair do filme. Sentimos que aquela podia ser a nossa vida, aquelas podiam ser as cores da nossa roupa, aquela podia ser a banda sonora do nosso dia. Drinking Buddies é um desses filmes.

Esta comédia de relações esconde um drama sentido e verdadeiro acerca de almas gémeas, de laços fortes e de escolhas erradas. É a história de dois melhores amigos que podiam ser casados mas, em vez disso, escolhem outras pessoas com quem partilhar a vida. Ao longo do filme ocorrem trocas, dúvidas e conflitos, mas a relação dos dois personagens principais mantém-se inalterada. A tensão sexual está construída de uma forma tão realista que nos puxa para dentro da história e nos faz não querer sair.

Luke (Jake Johnson) e Kate (Olivia Wilde) partilham tudo na vida. O interesse por cerveja, o sentido de humor derivado da cerveja, a postura relaxada, a má alimentação, o enorme carinho que têm um pelo outro. No entanto, escolhem duas pessoas totalmente diferentes de si, cada um pelas suas razões. Podemos passar o filme todo a questionar-mo-nos sobre o porquê de não ficarem juntos mas, no final do dia, a resposta é simples: é a vida.

Na vida nem tudo é como devia ser. Na vida cometemos erros, falhamos momentos, não vimos o que está à nossa frente, deixamos ressentimentos toldar-nos o coração. Na vida, temos que aceitar as coisas como são e, ultimamente, agarrar-nos às boas relações que nos fazem sentir um bocadinho mais quentes nos dias de inverno, e um bocadinho mais frescos num dia de verão.


Golpes Altos: Jake Johnson está rapidamente a tornar-se um dos meus actores preferidos e Olivia Wilde está rapidamente a tornar-se a GAJA MAIS BOA E LINDA DE SEMPRE - aparece nua neste filme.

Golpes Baixos: O filme merecia mais uma meia hora de conclusão. Não queria parar de ver as vidas dos personagens.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Phantom

Realização: Todd Robinson
Argumento: Todd Robinson
Elenco: Ed Harris, David Duchovny e William Fichtner


Lembram-se de uma altura em que ainda se faziam bons filmes de submarinos? Lembram-se de uma altura em que ainda se tentavam fazer filmes com David Duchovny? Lembram-se quando a Guerra Fria ainda era um tema fresco e interessante? Eu também não.

Mas a década de ‘90 viu filmes como The Hunt for the Red October ou Crimson Tide lutar por um lugar na História. Ao mesmo tempo, David Duchovny tentava arduamente sair da pele de Fox Mulder e entrar em Hollywood. Felizmente, nenhuma das investidas foi bem sucedida. Anos passaram, e o mundo do cinema parecia salvo. Mas eis que chega o novo filme de Todd Robinson, Phantom.

O filme conta a história de um capitão (Harris) e do seu submarino. Ambos traumatizados, ambos velhos, ambos chatos. O argumento é "inspirado em factos verídicos", e isso vai-se tornando progressivamente menos credível até, no fim, aparecerem fantasmas de marinheiros.

Tudo no filme é antiquado e mal feito. Maus diálogos juntam-se a maus actores (Duchovny), que por sua vez são decorados com uma cinematografia inexistente, uma realização capaz de aborrecer uma parede e uma banda sonora que parece uma versão pan pipes do "Paint it Black" dos Rolling Stones.

No fundo, Phantom é uma viagem a um passado recente – mas um que todos preferimos esquecer.




Artigo publicado em Jornal i - 01/08/2013

terça-feira, 30 de julho de 2013

Conversa de Café: "Filmes medianos/maus com um elenco de fazer inveja aos de topo"

Ideia do nosso leitor JPFerreira.

Atenção que nem sempre os actores que vão ser mencionados são bons, mas não deixam de ser actores que levam muita gente ao cinema e que são, naturalmente, caros! 

RED 2:
- Bruce Willis, John Malkovich, Anthony Hopkins, Helen Mirren, Catherine Zeta-Jones, Mary Louise Parker.

ARMAGEDDON:
- Bruce Willis, Billy-Bob Thorton, Ben Affleck, Liv Tyler, Steve Buscemi, William Fichtner, Will Patton, Owen Wilson, Peter Stormare.

CON AIR:
- Colm Meaney, John Malkovich, John Cusack, Steve Buscemi, Danny Trejo.

THE EXPENDABLES
Sylvester Stallone, Jason Statham, Dolph Lundgren, Jet Li, Eric Roberts, Randy Couture, Mickey Rourke, Steve Austin, Terry Crews, Bruce Willis, Arnold Schwarzenegger.

STATE OF PLAY:
Russell Crowe, Ben Affleck, Rachel McAdams, Helen Mirren, Jeff Daniels, Viola Davis, Robin Wright, Jason Bateman.

WHAT JUST HAPPENED
- Robert de Niro, Sean Penn, Bruce Willis, John Turturro, Robin Wright, Kirsten Steward, Stanley Tucci.

MARS ATTACKS!:
Jack Nicholson, Glenn Close, Pierce Brosnan, Annette Bening, Danny DeVito, Martin Short, Sarah Jessica Parker, Michael J. Fox, Rod Steiger, Paul Winfield, Jim Brown, Pam Grier, Tom Jones, Jack Black, Natalie Portman, Christina Applegate.

BOBBY:
Anthony Hopkins, Helen Hunt, William H. Macy, Demi Moore, Sharon Stone, Laurence Fishburne, Martin Sheen, Christian Slater, Joshua Jackson, Heather Graham, Freddy Rodriguez, Ashton Kutcher, Shia LaBeouf, Emilio Estevez, Lindsay Lohan, Mary Elizabeth Winstead, Elijah Wood

COLD MOUNTAIN:
Jude Law, Nicole Kidman, Renée Zellweger, Donald Sutherland, Eileen Atkins, Kathy Baker, Natalie Portman, Philip Seymour Hoffman, Brendan Gleeson, Ray Winstone, Giovanni Ribisi, Cillian Murphy, Jack White, Ethan Suplee.


Curiosidades:
- Mencionei 9 filmes.
- O Bruce Willis aparece em 4!

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Golpes de Génio - Syriana

Realização: Stephen Gaghan
Argumento: Stephen Gaghan
Elenco: George Clooney, Matt Damon, Jeffrey Wright, Amanda Peet, Chris Cooper, Mark Strong, Tim Blake Nelson, Christopher Plummer e William Hurt



Petróleo. O petróleo, hoje, é causa de ganância, corrupção, guerras, mortes. Mas isto não é novo. Antes era por sal, escravos, prata, cobre, ouro. Amanhã será por gás natural, cana de açucar, água. A única coisa que estas commodities têm em comum é simples: todas custam dinheiro. E quem está em cima quer dinheiro. Quem está em baixo, facilita a vida a quem está em cima por patriotismo, sentido de dever ou "idiotismo útil". E assim se vai mexendo o mundo. Motivado por interesses, cobiça, esquemas. Assim se tiram vidas, assim se comprometem nações. Os chineses com o seu dinheiro, os árabes com o seu petróleo, os muçulmanos com a sua fé, os americanos com o seu poder, os europeus em tentativas desesperadas de voltarem às glórias do passado. E, se analisarmos ao pormenor, todos desempenhamos o nosso pequeno papel na grande máquina humana. Dos políticos, aos empresários, aos jornalistas, aos advogados, médicos, farmacêuticos. Se investigarmos bem, descobrimos que o nosso canalizador tem responsabilidades na merda de mundo em que vivemos.

Syriana é um grande filme. É um filme que trata tudo, sem definir nada. É um filme que veste a pele da realidade que reflecte. Torna-se, por isso, um pouco confuso. Por não tentar transmitir uma mensagem, não tentar apontar uma culpa ou deixar uma conclusão mas, ao invés, mostrar apenas a complexa realidade do mundo em que vivemos, passando pelo papel de todas as nações, de todos os agentes económicos. No fundo, as situações descritas em Syriana são situações que, imagino, ocorrem todos os dias. Todos os dias morrem "idiotas úteis" como Bob (George Clooney). Todos os dias um advogado calculista (Jeffrey Wright) salva um oligopólio. Todos os dias se fazem fusões empresariais sob pretexto de serem consummer friendly, quando na realidade servem interesses maiores que qualquer lei de mercado. Todos os dias existem lutas de poder, casos de espionagem, vendas de armas por amigos ou amigos de inimigos. Todos os dias morre gente em nome do dinheiro, poder, religião, ressentimento. Cada dia que passa, o mundo torna-se um bocadinho menos bonito, em nome da sobrevivência dos mais fortes.

O filme envolve tantos personagens, tantas situações, tantos pormenores negociais e políticos que torna-se difícil acompanhá-los a todos em pormenor. Sugiro atenção, porque o filme merece-a. Ou talvez não seja suposto compreendermos tudo, mas irmos digerindo o que conseguimos. Porque é assim com as próprias personagens, nenhuma delas conseguindo ver "o filme todo", mas apenas a realidade que lhes está mais próxima. O objectivo, creio, é sermos apenas um espectador, não de um filme, mas de uma realidade que é demasiado variada e complexa para se compreender a fundo. O filme está cheio de grandes actores, grandes diálogos e grandes cenas. Mas um discurso, de um lobbyista interpretado por Tim Blake Nelson, parece-me uma boa forma de concluir este texto:

'Corruption charges. Corruption? Corruption ain’t nothing more than government intrusion into market efficiencies in the form of regulation. That’s Milton Friedman. He got a goddamn Nobel prize. We have laws against it precisely so we can get away with it. Corruption is our protection. Corruption is what keeps us safe and warm. Corruption is why you and I are prancing around here instead of fighting each other for scraps of meat out in the streets. Corruption... is how we win.'

Ouviram bem? 'Corruption... is how we win'.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Gone Baby Gone



Realizador: Ben Affleck
Argumento: Ben Affleck, Aaron Stockard, Dennis Lehane (Novel)
Actores: Casey Affleck,  Michelle MonaghanMorgan Freeman, Ed Harris

Não vi o filme na altura e acabei de o ver agora. Estou angustiado e parece que levei um enxerto de porrada na zona do estômago. Acho até que ganhei mais em vê-lo agora do que há 6 anos quando ele estreou.

Um filme que conta a história do desaparecimento de uma criança e de uma panóplia de pessoas a tentar descobrir o paradeiro da miúda. Depois há muitos twists e muitos "eheheh... esta não estavas à espera" no enredo para no final percebermos que a única pessoa séria no meio daquilo tudo era o detective privado contratado para ajudar no caso. Será?

A verdade é que isto tudo é o menos importante no filme... O mais importante é o crescendo que se cria no filme para chegar a um ponto extremado onde surge um momento que me vai ficar na cabeça para sempre... Que fazer numa situação daquelas? Ser racional e decidir pelo "é isto que devo fazer segundo as regras da sociedade onde me insiro", ou ser mais romântico e decidir pelo "quero lá saber o que devo fazer no papel, vou escolher a opção que faz sentido para mim". 

O actor principal toma uma decisão com a qual se protege, não arrisca... É a decisão "à americana" (se o filme fosse europeu a miúda ficava lá), a decisão que o vai fazer pensar a vida toda "mas eu fiz o que tinha que fazer". Mas nem sempre é assim... Por vezes temos que fazer coisas que não devemos fazer, no entanto teremos que saber lidar com elas o resto da vida... Ele como não conseguia fazê-lo com a outra hipótese que tinha, refugiou-se nesta até porque acreditava piamente nessa escolha. 

Fez bem? Fez mal? Só alguém muito pouco humilde é que pode ter uma afirmação dogmática sobre a melhor forma de resolver o problema... Eu acabei de ver o filme e não tenho opinião... Tenho apenas pena do gajo que perdeu tudo por causa da decisão que tomou e que ainda por cima dão-nos "pistas" que pode vir a arrepender-se.

No fundo, este filme é bom porque de uma forma bastante violenta consegue-nos colocar numa situação daquelas "para a vida" que nunca tinha visto ser tão bem colocada... Um "Preferes" impossível de resolver da melhor maneira porque nunca vamos saber... A puta da vida não tem 2 sentidos, quando se escolhe um nunca vamos poder saber como seria seguir pelo outro... 


PS: O autor da história é o mesmo do Mystic River... Um filme de excelência, um filme de topo, um filme perturbador até não dar mais... Ou seja, este autor não pode ser uma pessoa feliz...


Golpes Altos: Não ficava a pensar num filme desta forma há algum tempo. Casey Affleck é estrondoso e o Ben é incrível a contar histórias. A tensão do filme é brutal e a escuridão do mesmo também. Grande obra.

Golpes Baixos: Acho que há mini-twists a mais... Mas isto é uma coisa pessoal, haverá quem tenha adorado isso. 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Only God Forgives



Realização: Nicolas Winding Refn
Argumento: Nicolas Winding Refn
Elenco: Ryan Gosling, Kristin Scott Thomas e Vithaya Pansringarm


 Na mitologia grega, a deusa Gaia casa com seu filho Urano e dá à luz os Titãs. Um desses Titãs, Cronos, ameaça a soberania do pai que, desesperado, tenta aprisioná-lo de volta no útero da mãe. Mais tarde, é Cronos que se vira contra o pai, a pedido da mãe, e o castra, lançando os seus testículos ao mar.

A mitologia está cheia de histórias bizarras, ultraviolentas. Pais que casam com as filhas, irmãos que dormem juntos, heróis castrados, impotentes, desesperados. Odisseias familiares sangrentas e perturbadoras. O novo filme de Nicolas Winding Refn, Only God Forgives, é um mito moderno de luz néon, no qual guerreiros fazem frente a dragões, semi-deuses, numa tentativa desesperada de regressar ao útero da mãe, depois de terem assassinado o próprio pai.

A estes contornos mitológicos, Winding Refn acrescenta uma ambiance noir que guia o espectador por entre o escuro e penetrante mundo de Bangkok after dark. Bangkok é um sítio perverso, um recanto do mundo onde tudo é possível, onde a cena das drogas, das lutas ilegais e da prostituição de menores se une numa só para satisfazer os caprichos de exílados ocidentais cujos hábitos de vida se tornaram demasiado negros para o mundo civilizado.

Assim é Julian (Gosling), um ex-veterano de guerra que gere um clube de Muay Thai como fachada para um negócio de droga. Ao seu lado, outro guerreiro, o irmão Billy. Ambos violentos, ambos perdidos, de almas titnuradas para além da salvação. Mas enquanto Billy deixa a sua violência e negritude correrem livres - 'I wanna fuck a 14 year old girl' - Julian mantem a sua raiva enclausurada, vítima de uma constante humilhação por parte da mãe (Scott Thomas) - 'Billy always had the biggest cock. Julian's was never small, but Billy's...'. Quando Billy é assassinado, Julian é coagido pela demoníaca matriarca para procurar e matar o seu assassino.

O filme segue uma tradição milenar de contos de vingança. Se fosse só isso, teria pouco para me cativar. A verdade é que Only God Forgives tem tanto de vingança como de perdão e impotência. O personagem de Julian começa uma interacção estranha com uma prostituta, com quem nunca tem relações sexuais. Os contactos apogeam quando Julian vê a prostituta masturbar-se à sua frente, esticando o pulso cerrado num gesto desesperado de pertencer a alguém.

O herói, aqui, é o vilão. O assassino do irmão, Chang, é um polícia que caminha pelas ruas em silêncio de espada às costas. É um semi-deus, um dragão - 'Time to meet the Devil' - e o guerreiro, por mais bem aventurado, não consegue derrotar o dragão. Chang simboliza a justiça, a placidez, o equilibrio, contra a tormenta interior de um ex-veterano que caminha por este mundo meio-adormecido, desligado, cujas mãos abertas em constantes planos pedem um perdão que só Deus pode dar.

Only God Forgives é uma obra de arte, e voltou a mostrar-me a beleza de um cinema de autor que nos transmite mensagens subliminares, cuja interpretação é necessária para que o ambiente e a história se unam num só. Palavras para quê? Os personagens quase não falam, as imagens contam a história. Only God Forgives fala das almas perdidas que deambulam pelo submundo à espera que uma espada os derrote, ou os perdoe.


Golpes Altos: Absolutamente tudo. Desde Gosling, passando por Scott Thomas até Pansringarm, as interpretações são fabulosas. A cinematografia, a fotografia, o argumento e realização são um só - de autor. A banda sonora de Cliff Martinez já tinha mostrado os seus frutos em Drive, aqui está ainda melhor.

Golpes Baixos: Críticos que deviam ser canalizadores ou jardineiros. A revista Sábado contribuiu hoje para a decadência da imprensa cultural nacional, quando deixou um senhor chamado Pedro Marta Santos dar 0% a este filme, sob o argumento de que é "pornográfico", comparando-o à Lista de Schindler de Spielberg que, segundo este senhor, também tem cenas "pornográficas". Pornográfica é a imbecilidade de certos críticos que deviam estar a escrever sobre programas de televisão e lhes é dada permissão para críticar arte.

 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

At Any Price

Realização: Ramin Bahrani
Argumento: Ramin Bahrani
Elenco: Dennis Quaid, Zac Effron, Kim Dickens e Heather Graham


Já não há finais felizes, não nos dias que correm. Vivemos tempos amorais. Sofremos crises de identidade nacional, perda de valores familiares. Pelo menos, é esta a opinião de Ramin Bahrani, um novo talento multi-étnico residente em Hollywood.

Bahrani tem apostado numa carreira independente, alternativa, fora do circuito de Hollywood e com temas profundos, bem explorados mas desligados do interesse das massas. Os seus filmes anteriores envolviam um taxista do Senegal, um orfão sul-americano e um vendedor paquistanês. Escusado será dizer que Bahrani foi alvo de pouca atenção. Neste novo filme, o realizador de origem iraniana foca-se na iconografia clássica americana, mas com uma abordagem muito especial.

À vista desarmada, At Any Price parece um filme típico americano, com arquétipos fáceis e esgotados e um final previsível. Desenganem-se, este filme vai surpreender-vos de mil maneiras diferentes. Aqui, nada corre como nos filmes. A fotografia é brilhantemente executada mas com um toque realista que nos relembra de como eram feitos os filmes antes da era digital. Os arquétipos clássicos - o corredor de NASCAR, o agricultor americano, o self-made man patriarca, a cheerleader envelhecida e a teenager abandonada - são-nos apresentados aqui sem o esperado floreado. São pessoas imperfeitas, fracas, perdidas e destrutivas.

O filme começa por nos apresentar o sonho americano, faz-nos crer na sua concretização, e depois destrói tudo. Tudo. At Any Price é um filme complexo, pensado, que demonstra um enorme conhecimento do comportamento humano e uma perturbadora consciência da época difícil em que vivemos. Os sonhos aqui não se realizam, destroiem-se. Curiosamente, as personagens não aprendem com eles. Penso que Bahrani deixa a aprendizagem para o espectador, caso este entenda verdadeiramente os contornos de um filme como este. Recebi o filme como recebo grandes romances literários. Bahrani é um Steinbeck moderno mas a ira das suas vinhas passa para os campos de trigo.

A simplicidade dos cenários e da forma como Bahrani filma contrasta com a complexidade dos seus temas. A forma como explora os comportamentos dos personagens, as paixões destruídas, os casamentos falhados, as relações podres entre filhos e pais, entre o homem e a terra, entre a terra e o dinheiro, entre o dinheiro e a pátria - isto é uma obra rara e de uma coragem e confiança admiráveis. Bahrani agarra em ícones americanos manchados como Quaid e Efron e dá-lhes os papéis das suas vidas. Não consigo frizar isto o suficiente: Dennis Quaid tem aqui o papel da sua vida. E que papel! Nunca o pensei capaz de um feito destes.

O filme não é fácil, e quem o entender vai ficar mal disposto. Digo "quem o entender" não por ter uma narrativa complexa e cheia de twists, mas porque é uma obra inteligente e que facilmente passará por alguns olhos como "um filme clássico com alguma coisa estranha" (atenção, li isto numa crítica). Ora, a "coisa estranha" é a profundidade e a coragem de destruir tudo aquilo que o cinema tem vindo a ensinar-nos. Aqui, quem mata não é herói, não vence. Aqui, as pazes não resolvem tudo. As paixões perdidas não reacendem. As relações não se reconstroem. Aqui, a vida é como ela é, e nós temos que lidar com isso.


Golpes Altos: Um argumento brilhante, uma cinematografia nostálgica, uma realização clássica e interpretações espectaculares.

Golpes Baixos: Um cartaz, um título e um trailer que quase me impediram de ver uma das melhores obras de 2013.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Pacific Rim

Realização: Guillermo del Toro
Argumento: Travis Beacham e Guillermo del Toro
Elenco: Charlie Hunnam, Idris Elba, Charlie Day, Ron Perlman e Rinko Kikuchi


Não há nada de pequeno no novo projecto de Guillermo del Toro. Nada de modesto, simples ou minimalista. Tudo é desproporcionado, caótico, gigante. À partida, isso não costuma funcionar como chamariz - pelo menos para mim. Se vejo um trailer em que robôs gigantes combatem monstros vindos das profundezas do oceano pacífico, a primeira reacção é torcer o nariz. Há uns anos atrás não seria assim. Quando era mais novo gostava tanto mais de um filme quanto maiores fossem os seus protagonistas e as suas explosões. Inevitavelmente, com a idade, os gostos começaram a mudar e parece-me que a qualidade dos filmes em questão também. A saga Star Wars transformou-se numa banhada cujo único ponto a favor é vermos a Natalie em fato de licra branco, e o remake do Godzilla fez-nos acreditar que secalhar já não tinhamos idade para estas merdas. Mas eis que chega Pacific Rim.

Del Toro quis dar-nos um épico blockbuster, com tudo aquilo a que temos direito - e mais. O formato híper-CGI, a banda sonora eléctrico-monstruosa, as porradas juro-por-Deus-mais-fixes-do-mundo fizeram-me sentir uma criança de 10 anos, colado ao sofá, de olhos arregalados para a fantástica brutalidade do cinema. Mas, e como se isto não fosse já suficiente, Pacific Rim esconde uma homenagem de um cineasta digital ao cinema analógico. É que a acção do filme esconde uma profundidade humana cuja mensagem principal é precisamente "o digital é sobrevalorizado, vamos voltar ao humano". Enquanto todos os Jaegers (robôs gigantes pilotados por dois humanos) digitais deixam de funcionar, a fé da humanidade resta no único Jaeger analógico e nos únicos pilotos com falhas humanas. E esta é uma homenagem, ainda falta o resto. Podem encontrar-se homenagens ao Metropolis de Fritz Lang, ao Evangelion dos anime-geeks, ao Frankenstein de Shelley, à Alice de Carroll, a Philip K. Dick. Meu Deus! E tudo feito com tão bom gosto, que se torna impossível não adorar.

E depois, temos a história. O ponto alto de Pacific Rim não são os efeitos espectaculares, a acção sempre surpreendente e inovadora, as referências geek-literárias ou os actores escolhidos a dedo (Charlie Day é um comic-relief fabuloso e Idris Elba é um dos homens com mais presença do cinema moderno). Não, o ponto alto de Pacific Rim é aquilo em que nos faz pensar nos intervalos da porrada. Pacific Rim, o paraíso CGI, é sobre relações humanas. Para guiar um Jaeger, são necessárias duas pessoas compatíveis em termos de memórias, de sentimentos, de intelecto, de combate e de alma. Em vez de cada uma das pessoas comandar uma parte do robô, ambos controlam o robô inteiro em sintonia. Para isso, é necessário um handshake que não é mais que um elo perfeito entre dois humanos. E, quando se perdem numa memória, diz-se que estão a "perseguir o coelho" - uma fantástica referência ao mundo de Lewis Carroll. Tudo neste filme sugere cooperação, coabitação. As nações metem os seus problemas de lado para combater a invasão, inimigos tornam-se amigos, dois cientistas percebem que não contam só os números nem só a biologia - têm que trabalhar em conjunto. A relação entre os dois protagonistas não é tanto amorosa mas mais afectiva, de compreensão e carinho. Tudo neste filme é sobre o ser-humano, por mais robôs e monstros que tenha. Quanto a mim, Del Toro está de parabéns. Se era um épico que queria, foi um épico que teve.


Golpes Altos: A inovação, a tecnologia, as homenagens, a história, os personagens, os conflitos, as porradas, as relações, os monstros, os robôs - a imaginação!

Golpes Baixos: A chinesa podia ser melhor actriz e Charlie Hunnam volta a mostrar o quão difícil é para um inglês fazer sotaque americano sem parecer um anormal.

 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Dans La Maison

Realização: François Ozon
Argumento: Juan Mayorga (peça) e François Ozon
Elenco: Fabrice Luchini, Ernst Umhauer e Kristin Scott Thomas

O espectador é um voyeur, mas isso não é novo. Já havia sido explorado por Hitchcock na sua Rear Window. A peça de cinema pode ser utilizada como uma experiência, na qual o próprio cenário é palco de si mesmo - mas isto também não é novo, já tinha sido explorado por Kaufman em Synecdoche, New York. Então afinal, qual é o contributo do novo filme de François Ozon? É que o voyeur aqui não é só o personagem, somos nós, e o próprio cenário, a maison, serve como uma metáfora de si mesmo. Confuso? Calma.

Em Dans La Maison, assistimos a uma estranha interacção entre professor e aluno. A coisa começa bem, não há dúvida, mas acaba por desiludir. O aluno começa por jogar um estranho jogo com o professor, no qual lhe vai entregando capítulos de um romance que envolve a família de um outro colega. O aluno começa a envolver-se na família desse colega, entra dentro da vida dessa família. Existe tensão sexual. Mas entre quem? O pai? O filho? A mãe? Todos? O cenário está montado para um thriller psicológico que promete não chocar, não assustar, mas fazer pensar. Não estamos preparado para ver sangue, assassinatos ou violações mas, por algum motivo, não conseguimos descolar os olhos do ecrã. A dada altura, não fazemos ideia se será o professor a ensinar o aluno - enquanto lhe vai oferecendo Salinger, Orwell, Nabokov e outros voyeurs da literatura - se é o aluno que ensina o professor com a sua própria história ou, finalmente, se o ensinamento é mútuo, e a cumplicidade dos dois funciona para o bem da obra de arte.

Confesso que o filme me deixou colado ao ecrã. Adorei tudo: os personagens, a história, as referências, os diálogos, os actores. O filme tinha sentido de humor, tinha suspense, tinha profundidade, tinha parábolas e muito mais do que parecia á primeira vista. Mas, depois, falhou. Falhou porque Ozon deixou-se envolver pela sua própria criação, perdeu-se no labirinto que criou e o bom gosto e refinamento da primeira parte do filme ficaram para trás. No final, ficam apenas os jogos e a sua conclusão - e o filme prometia mais. O filme não começa como um simples thriller mas, infelizmente, acaba como um. No entanto, vale a pena ser visto. Não deixa por isso de ser um bom filme, mas acaba por não ser um grande. É pena porque, por instantes, achei que estava a assistir a um reinventar do cinema. Adoro que a arte brinque consigo própria, nos envolva no enredo como uma espécie de espectador participante. Faz-me lembrar os livros de capa verde em que jogávamos os dados para decidir onde ia parar a história - 'Derrotou o monstro verde? Salte para a página 32'. Mas a verdade é que um filme não pode ser só isso, tem que ter mais nata. E a nata de Dans la Maison ficou pelo caminho.


Golpes Altos: Grande primeira parte de filme. Argumento original (não no sentido literal, sendo que foi adaptado de uma peça, mas vocês percebem...) e bem explorado. Boas interpretações. Sentido de húmor muito bem vindo neste formato.

Golpes Baixos: A conclusão, a segunda metade do filme, a fina linha entre o thriller de autor e... o thriller?

 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Golpes de Génio - The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford

Realização: Andrew Dominik
Argumento: Andrew Dominik
Elenco: Brad Pitt, Casey Affleck, Mary-Louise Parker, Sam Rockwell, Paul Schneider, Jeremy Renner, Garret Dillahunt e Sam Shepard


Há algo místico e sobrenatural na figura do velho Oeste. O herói senta-se, pensativo. A sua figura, esguia e funesta, sugere cansaço e morte. A cobra aos seus ombros coloca-o acima do resto do mundo, um semi-Deus - 'he had a condition that was referred to as granulated eyelids, that caused him to blink more than usual - as if he found creation slightly more than he could accept'. Há algo místico em Jesse James. No filme, a sua figura destaca-se das outras, como se caminhasse num plano diferente. Vimo-lo pelos olhos da criança, do seu maior fã, do fraco, do cobarde e, ultimamente, do seu assassino Robert Ford.

O Oeste aqui é árido, abandonado, quase ultrapassado. Jesse é o seu filho, sofre entre depressões e uma incerteza se será este ainda o seu lugar no mundo. Brinca com os seus filhos, faz amor com a sua mulher, mas desligado de uma realidade que não o reconhece. Ninguém sabe quem é Jesse James, só Robert. E, talvez por isso, Jesse deposite em Robert a sua confiança, o seu zelo e a sua morte. Jesse é como o César enfurecido que vê traição em cada esquina e, no momento final, escolhe dar a Brutus a sua vida e, com isso, amaldiçoá-lo para sempre. É o preço a pagar por matar um deus. Robert nunca se torna no homem que sonhou tornar-se. É uma sombra de Jesse e traz no seu semblante o peso da cobardia. É um rato, fraco e subserviente ao lado de um gigante.

Estamos perante uma rara obra de arte. The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford transcende o cinema, transcende a literatura. Atravessa vários campos sensoriais com a suavidade e a importância de quem sabe o que é e o que quer dizer. Para mim, é um dos melhores filmes de sempre. Um injustiçado, sem dúvida. Arrisco dizer que não se fez nada nos últimos 20 anos sequer parecido a isto. Talvez por isso tenha passado uma imagem de pretensão para quem não distingue pretensão de perfeição. Eu gosto de literatura. Gosto, porque me dá coisas que o cinema não me consegue dar. Dá-me uma profundidade que é difícil atingir com imagens. Com imagem, tudo se torna mais fácil, mais conquistável. Jesse James conseguiu o impensável.

O filme conta os últimos dias do bando dos irmãos James, ou do que resta deles. Cada personagem contém dentro de si o tamanho de um filme. É maravilhoso ver como os diálogos reflectem pessoas complexas. É difícil conhecer quem passa pelo filme e, talvez por isso, seja longo e tenha a ajuda de um narrador lírico. Em termos técnicos, podia dissecar cada elemento do filme e isto tornava-se num manual de cinema 101 para futuros génios. Mas seria injusto, o filme eleva-se a uma categoria de cânone que "é logo existe". Jesse James, o bandido, descansa em paz. Fez-se justiça na forma de um filme. Não é preciso dizer mais nada.